Paróquia São Marcos - Barra da Tijuca - Rio de Janeiro -----------------------------------------------Reuniões todos os domingos após a missa de 18h

sábado, 13 de janeiro de 2007

Deus lhe page - Uma experiencia com os JAMigos de Rua

- Cronica e video de Patricia Gomes Jamista (JAM 215) relatando sua experiencia nos JAMigos de rua no dia 27 de Novembro de 2006 -




Tudo começa com uma doação fixa de 100 pães e dois punhados de mortadela. Todo o resto depende. De quê? Do número de voluntários e da quantidade de donativos que eles conseguirem arrecadar. Tem dia que falta pão, tem dia que falta leite, mas, na maioria das vezes, falta tudo mesmo.Quatro, cinco, raramente mais do que seis pessoas se põem a cortar o pão, passar a margarina e a mortadela. “O leite tá na validade?” “Tá. É só misturar com o chocolate naquela jarra”. “E onde tá o Nescau?” “Nescau?! Não é Nescau não. É um genérico”. Fazem uma espécie de linha de produção para agilizar o processo. “Acho que não vai dar”, “Tem que dar, corta ao meio”. E assim é enchida uma caixa com 150 pães recheados com margarina e mortadela, ou só margarina. Leite e chocolate são suficientes para encher sete, oito garrafas pet de dois litros. Copos plásticos, guardanapos e, eventualmente, fraldas. Mãos à obra. O pequeno grupo agradece a Deus e parte para as ruas do Centro da Cidade que, com a noite caindo, começa a ver um dia de trabalho terminar. Para a maioria, pelo menos.Sinais, cruzamentos e esquinas ficam repletos de pessoas, como um formigueiro humano. Algumas seguem sós, ensimesmadas, perdidas nos próprios pensamentos. Outras andam em grupos, conversam, riem, falam alto, atendem ao celular. Nada atrapalha seus movimentos apressados e o ar de importância que sustentam. Em comum, o fato de que vão para a casa descansar.Mas ali no canto, coadjuvantes de uma cena com tantos protagonistas, estão os moradores de rua. Eles não vão a lugar nenhum, estão ali desde sempre e ninguém sabe quem são exatamente. São seres que fazem parte da paisagem. Os traços que lhes restava de humanidade foram retirados pela sociedade e, de tanto ouvirem que não são ninguém, muitos se convenceram.Tudo seria muito mais cômodo se fossem o que dizem por aí, “um bando de desocupados e estão na rua por opção”. Não eram. E isso aumenta a responsabilidade da sociedade, embora ela insista em virar as costas para o assunto. Talvez houvesse, dentre muitas pessoas que receberam pão naquela noite, algumas que poderiam trabalhar caso se esforçassem mais. Certamente algum daqueles homens que tentou intimidar o grupo logo no início da caminhada tivesse este perfil. Possivelmente outros também tivessem. Mas este não era o caso da maioria.Os moradores de rua do Centro são, em sua maior parte, homens. Sozinhos ou em grupos, eles têm sempre pertences preciosos que guardam em bolsas ou sacolas que, de longe, ajudam a compor a estética da pobreza. Alguns chegam a ter carrinhos onde amontoam objetos das mais diversas naturezas: bonecas, papéis e garrafas de cachaça. Crianças são raras, mas não é raro que, as que por ali estão, estejam acompanhadas de uma latinha com cola de sapateiro.Dentre os moradores, até tem quem tenha casa e emprego. Mas moram longe demais, o que faz com que o custo e a duração das viagens de ida e volta sejam inviáveis. É o caso dos papeleiros, homens que passam a madrugada dobrando e imprensando papéis que colheram durante o dia. Em geral, recebem R$0,17 ou R$0,20 por quilo de papel recolhido e, por dia, ganham por volta de R$15. Um deles – Fábio era o seu nome, um sujeito que não deve ter chegado aos 30 anos, fala educada e riso largo – trabalha no Largo da Carioca e ganha R$1 a mais por tomar conta do ponto do jogo do bicho durante a noite.Numa caminhada de duas horas, algumas cenas são fortes, muito fortes. As súplicas, para que os deixassem guardar um pão para o diaseguinte, os pedidos desesperados para que o grupo não deixasse de passar nesta ou naquela rua, o olhar de consentimento de quem abdica de repetir “para deixar para os outros também”. Difíceis de esquecer eram ainda aqueles sorrisos desdentados e ingênuos, quase infantis, e que ostentavam um sincero “Deus lhe pague”.Dentre o grupo daqueles anônimos bem-feitores, chamava a atenção o carinho com que uma das integrantes se referia a estas pessoas relegadas da sociedade como “irmãozinhos de rua”. Mas o mais marcante era a delicadeza do mais experiente do grupo que dizia: “Eles estão dormindo, não acordem eles”, pegava dois pães e, muito cuidadosamente, os deixava perto de suas cabeças. Quando acordassem, certamente se deparariam com um presente inesperado de um anjo da guarda que sequer conheciam.A pessoa que escreve estas linhas esteve presente nesta visita aos moradores de rua. No caminho para casa, passou por esquinas cheias destas pessoinhas, as mesmas esquinas por onde está habituada a passar diariamente. Mas desta vez, ela não tinha nem pressa, nem medo. Levava consigo um sentimento diferente, uma espécie de cumplicidade difícil de explicar. Ela sabia que, por alguns momentos, ela tinha saído de seu mundo e feito parte de um outro que não lhe pertence, embora devesse pertencer. Quando finalmente chegou em casa, a mesa do jantar estava posta esperando por ela. Neste dia, porém, a comida não desceu direito.